“Pão de luz”
Quando tenho fome,
são as palavras que me alimentam
e é delas que me sacio –
não do que significam,
mas do silêncio que elas fazem.
A lua é um “pão de luz”* a alimentar a noite.
A noite é o colo do crepúsculo.
O crepúsculo é o anfitrião da manhã.
A manhã é a morte do medo.
O medo é a moeda da moda.
A moda é o modo do mundo.
O mundo é um verso: uni-verso.
O universo é um pano preto salpicado de leite.
O leite é o deleite materno no leito da vida.
A vida é ávida da dádiva havida.
Quando tenho fome
como as palavras.
Quando tenho fome
não quero a lua, mas pão de luz;
não quero a noite, mas crepúsculo;
não quero o medo, mas alvorada;
não a moda, nem o mundo;
só um verso, o uni-verso.
Quando tenho fome
como pão com os ouvidos,
ouço tudo com os olhos,
cheiro muito com os dedos,
saboreio o recheio cheio de vida.
Luiz Carlos Ramos
(4 de abril de 2002)
* A expressão “pão de luz” para designar a lua é de José Saramago, em seu impagável “O evangelho segundo Jesus Cristo”