“Palavras Andantes”
Lucas 24.13-15: No domingo da ressurreição, dois dos seguidores de Jesus estavam indo para um povoado chamado Emaús, que fica a mais ou menos dez quilômetros de Jerusalém. Eles estavam conversando a respeito de tudo o que havia acontecido. Enquanto trocavam palavras consternadas e argumentavam desolados, o próprio Jesus chegou perto e começou a caminhar com eles.
“Palavras andantes” é o título de um livro de Eduardo Galeano, o jornalista uruguaio que queria ser jogador de futebol, mas que, por causa das suas palavras, acabou preso e entrando para a lista do esquadrão da morte durante a ditadura naquele país. Sua poesia nos inspira, particularmente nesta celebração, por juntar, como Jesus o faz, essas duas entidades: palavra e caminho. Interessa-nos, porque também nós trilhamos picadas abertas pela palavra.
Religião é uma linguagem, um jeito de falar sobre o mundo, dizia Rubem Alves: É tapeçaria que a esperança constrói com palavras. Tudo se faz com palavras e desejo. Por isso, para entender a religião, é necessário entender o caminho da linguagem, o caminho das palavras.
… e havia trevas sobre a face do abismo
e um vento impetuoso soprava a superfície das águas.
E disse Deus: “— Haja luz.”
E houve luz…
Sim, as palavras caminham, e é pela poesia (do gr.: “feitura”), na liturgia (do grego: “trabalho solidário”) das palavras que se criam mundos ainda inexistentes. Liturgia é abrir janelas que descortinam novos horizontes. Liturgia não é outra coisa senão dar com palavras os primeiros passos rumo a um mundo novo. Liturgia são palavras que têm pés, porque enquanto tecemos nossas esperanças, vamos construindo novas trilhas.
Lembram-se do poeta castelhano Antônio Machado?
Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar.
Ao andar se faz o caminho,
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de tornar a pisar.
Caminhante, não há caminho
senão estrelas no mar.
E é novamente o poeta dos pampas que nos ajuda a entender ainda melhor essa relação entre as palavras e os pés, o desejo e o caminho:
A utopia está lá no horizonte.
Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. (Eduardo Galeano)
E assim iam, Jesus e os caminhantes de Emaús, mirando o crepúsculo no horizonte, contemplando o pôr do sol. Não sei se foi Lorca ou Camus que disse para o seu amor, mas bem o poderia ter sido Jesus aos seus companheiros de estrada e conversa:
Não vá à minha frente, porque talvez eu não te siga,
não vá atrás de mim, porque talvez eu não te guie,
caminha ao meu lado e sê meu companheiro.
Reverendo Luiz Carlos Ramos†