Pais
Na Bíblia, como na vida real, encontramos vários tipos de pais. Alguns nos deixam enternecidos, outros, enfurecidos. Há os que são amorosos, responsáveis, honestos, íntegros, dignos… E há os cruéis, inconsequentes, desprezíveis…
Por ocasião do Dia dos Pais, dediquemo-nos a refletir sobre alguns exemplos, escolhidos de entre as páginas sagradas, procurando aprender que aspectos da paternidade podemos cultivar, e de quais devemos nos precaver.
Provavelmente, um dos primeiros exemplos que nos vem à mente, é aquele que ficou conhecido como o pai da fé, Abrão ou Abraão. Pai que deveria ser bênção para todas as famílias da terra, não sabia muito bem como sê-lo na sua própria casa. Tentou, a princípio, dar uma mãozinha para a fé, pegar um atalho. Tratou de começar sua descendência tendo um filho com a escrava Hagar. Este se chamou Ismael (Deus ouviu), e após uma intriga envolvendo ciúme, revanche e vingança, Abraão acabou por abandoná-lo para morrer no deserto. Que angústias não sofreu esse senhor? Que dores piores que as de parto não terá sentido até que aprendesse a lançar-se, com fé, nas promessas de Deus, e gerar um filho que receberia o nome de Sorriso (Isaque)! É de fato admirável que esse beduíno da terra de Ur tenha sido condecorado pela posteridade com o título de Pai da Fé…
Sem sombra de dúvida, o pai mais tolo e estúpido de todas as Escrituras é um tal Jefté. Esse se meteu numas brigas (por aí só já dá pra ter noção da figura). No meio de uma luta, fez um acordo patético com Javé: “Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do SENHOR, e eu o oferecerei em holocausto” (Jz 11.30-31). O dito cujo conseguiu vencer os tais amonitas. Dá pra adivinhar o que aconteceu? “Vindo, pois, Jefté a Mispa, a sua casa, saiu-lhe a filha ao seu encontro, com adufes e com danças; e era ela filha única; não tinha ele outro filho nem filha” (v. 34). Desgraça completa… filha única sacrificada. Sempre me perguntei: Por que a Bíblia preservou tamanho disparate… e concluo que o fez pra que nunca, jamais, pai algum torne a cometer tamanha insensatez.
Outro importante pai da Bíblia ficou conhecido como sendo o homem segundo o coração de Deus (cf. At 13.22). Davi, esse era o seu nome, gerou um filho fruto de adultério seguido de assassinato do marido da amante. Quis o destino que essa criança adoecesse irremediavelmente ainda pequenina. O amor do pai Davi pelo filho, não obstante, era tamanho, que ele chorou, jejuou, e se penitenciou dolorida e desconsoldadamente. Uma vez informado da morte do filho, Davi nunca mais seria o mesmo.
Nos evangelhos, um pai especial é o de Jesus. José não era pai de Jesus em sentido estrito. Sua noiva engravidara, antes do casamento (e não foi do noivo). Muitos, no seu caso, teriam abandonado mulher e filho. José, no entanto, preferiu enfrentar as más línguas e os preconceitos sociais. Casou-se com Maria, adotou o menino, ensinou-lhe sua profissão. Jesus, o nosso Senhor e Salvador, teve a graça de ter um pai adotivo que o acolheu, educou e amou.
Além de pais reais, de carne e osso, há também figuras paternas imaginárias que se imortalizaram no Novo Testamento. Nenhum deles se compara ao pai do filho pródigo. Livros e livros se escreveram sobre ele. Amoroso, gracioso, tolerante, amigo, acolhedor, perdoador, sempre de olho na estrada, esperando a volta do filho perdido; sempre disposto a deixar a festa de lado para consolar e aconselhar o outro irmão tão rancoroso. Dizem que esse é o pai mais parecido com mãe de toda a literatura universal.
Há também um pai tétrico, funesto, lutífero, astroso, assombroso, aterrador, sinistro… Este ficou conhecido como o Pai da Mentira. E ao que se pode ver, ele tem muitos filhos esparramados pela face da aterra. Está lá no evangelho de João (8.44): “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.” Todo aquele, toda aquela, em quem não há verdade, torna-se filho do diabo, o mais cruel dos pais.
Felizmente, a Bíblia nos apresenta outro Pai, este, sim, perfeitíssimo. Quem melhor no-lO apresenta é Jesus, na oração que até hoje chamamos de “Pai Nosso”. A oração começa com a expressão “Pai nosso que estás nos céus”. O fato de Jesus se dirigir a Deus como Pai já é de certa forma bastante revolucionária — ao menos pela ousadia em empregar esse termo de intimidade para um Deus que amiúde provocava temor e assombro.
Chamar Deus de Pai, mesmo em nossos dias, é temerário, porque pode ser que nos venha à mente a imagem do nosso pai terreno, com as suas falhas, com os seus defeitos, com suas limitações. Talvez por essa razão Jesus agregue outras duas informações complementares a essa designação: esse Pai é nosso, e está nos céus. É um pai pleno de ternura. Trata-se de um pai diferente dos demais: muito parecido com o da parábola do Filho Pródigo, que é, a rigor, mais mãe do que pai.
E esse pai é nosso. Tanto Karl Barth quanto João Wesley afirmam que o pronome, nosso, é determinante: que essa oração só pode ser pronunciada se nela houver um Pai e se houver um Nosso. O nosso aparece muitas vezes na Oração do Senhor — Wesley tem a paciência de contar, e nos informa que o referencial “nós” ou “nos” aparece sete vezes em apenas três versículos. A oração é, portanto, enfaticamente comunitária. Uma oração que pensa a coletividade. O Pai não é só meu, mas é nosso. Portanto, não chego diante de Deus somente com os meus próprios sentimentos, somente com a minha fé individual e privada, mas oro conjuntamente com toda a comunidade de fé. Segundo Karl Barth, toda humanidade está presente na Oração do Pai Nosso. Ainda que os ateus (órfãos?), ou que se dizem ateus, suponham viver sem Deus, na concepção cristã não é possível haver um Deus sem o ser humano. Portanto, até mesmo aqueles que não creem, aqueles que não têm Deus, estão representados na Oração do Pai Nosso.
O Dia dos Pais, como dito no início desta reflexão, é ocasião privilegiada para refletirmos sobre a paternidade segundo o ideal de Deus.
Nós, pais, podemos, ainda hoje, ser pais de fé, e gerar filhos-sorriso; podemos ser pais pacíficos e pacificadores, que dançam e brincam com suas filhas, em lugar de perdermos tempo com guerras insanas e brigas tolas; podemos ser pais segundo o coração de Deus, amadurecendo sempre, não obstante os revezes da vida; podemos ser pais que, em plena cumplicidade com a mulher que amamos, adotem até as crianças geradas nas condições mais suspeitas e inusitadas; podemos ser maternos pais amorosos, prontos a receber de volta o filho perdido, prontos a aconselhar e a consolar o filho abatido; podemos ser pais da verdade, gerando filhos e filhas que amam a verdade, que praticam a verdade, que promovem a verdade…
Enfim, podemos almejar o ideal do Pai perfeitíssimo, aquEle que compensa toda a limitação dos pais terrenos, aquEle que está nos céus, que é Pai de todos, e que é também o Pai dos pais.
Oremos:
Senhor,
rendemos-te graças pela vida dos nossos pais,
porque nos possibilitaram nascer para a vida na terra;
rendemos-te graças também pela vida dos nossos pais na fé
porque nos possibilitaram nascer para a vida eterna.
Neste Dia dos Pais,
abençoa aos que estão próximos
dá forças aos que estão distantes,
e conforta aquele cujo pai está ausente.
Abençoa igualmente a nós, filhos e filhas, para
que nossos getos honrem a sua memória,
que nossos passos sigam-lhe o exemplo,
que nossas palavras transmitam a sua sabedoria.
E se porventura esse amor paterno nos faltar,
dá-nos a consciência de que temos um Pai celestial,
que nos ama, que nos ajuda, que nos compreende.
E tu, que és Pai onipotente, onipresente e onisciente,
compenses as limitações dos pais terrenos
e complete o seu amor.
Bendito sejas,
Pai bondoso,
Pai dos pobres,
Pai de todos,
Pai nosso que estás nos céus…
Luiz Carlos Ramos
(Escrito especialmente para a Revista Gaivota : Dia dos Pais, 2011)
Sou pai novo, agradeço a mensagem. Posso homenagear os pais de minha igreja com este texto? abraços e feliz dia dos pais.
Caro Claudimir,
Fico feliz que meus textos sirvam para você e sua comunidade. Sinta-se à vontade para compartilhá-lo.
Grande abraço,
Luiz
Excelente texto. Profunda e desafiadora reflexão que, a partir de sua base bíblica chega até o momento atual, com um chamado a todos os pais a “almejar o ideal do Pai perfeitíssimo, aquEle que compensa toda a limitação dos pais terrenos”.
Parabéns, meu amigo, Dr. Luiz Carlos Ramos por esta grande contribuição e parabéns, de igual modo, pelo dia dos pais.
Que o nosso Pai continue dirigindo sua vida e seu labor no Reino
Grande abraço, Jilton Moraes
Muito obrigado, Luiz, por mais um texto delicioso de se ler, rico de reflexão e altamente oportuno. Abraços!
Gladir
Lindo texto, Luiz. Que meu esposo e eu possamos ser “pais-mães DE VERDADE” como no seu texto belíssimo. Grazie e um bom dia!
“Pai que deveria ser bênção para todas as famílias da terra, não sabia muito bem como sê-lo na sua própria casa. Tentou, a princípio, dar uma mãozinha para a fé, pegar um atalho…” Belo texto. Que engraçada e acurada maneira de recontar essas histórias. Quanto caminho a percorrer – mulheres e homens em suas relações – até que possam chegar a “… ser maternos pais amorosos…”
Parabéns Luiz, mais uma vez um lindo texto!
Gostaria de saber se posso publicá-lo no boletim da minha igreja.
abraço!
Cleber.
Mas é claro, Cleber. Espero que a comunidade também aprecie e se sinta edificada.
Grande abraço,
Luiz
Parabéns Luiz, mais uma vez um lindo texto!
Gostaria de saber se posso publicá-lo no boletim da minha igreja.
abraço!
Cleber.
Mas é claro, Cleber. Espero que a comunidade também aprecie e se sinta edificada.
Grande abraço,
Luiz