O silêncio que fecunda a palavra: a propósito da oração
Lucas 11.1-13: De uma feita, estava Jesus orando em certo lugar; quando terminou, um dos seus discípulos lhe pediu: Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos. Então, ele os ensinou: Quando orardes, dizei:
Pai, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; o pão nosso cotidiano dá-nos de dia em dia; perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo o que nos deve; e não nos deixes cair em tentação.
Disse-lhes ainda Jesus: Qual dentre vós, tendo um amigo, e este for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, pois um meu amigo, chegando de viagem, procurou-me, e eu nada tenho que lhe oferecer. E o outro lhe responda lá de dentro, dizendo: Não me importunes; a porta já está fechada, e os meus filhos comigo também já estão deitados. Não posso levantar-me para tos dar; digo-vos que, se não se levantar para dar-lhos por ser seu amigo, todavia, o fará por causa da importunação e lhe dará tudo o de que tiver necessidade.
Por isso, vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á.
Qual dentre vós é o pai que, se o filho lhe pedir [pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir] um peixe, lhe dará em lugar de peixe uma cobra? Ou, se lhe pedir um ovo lhe dará um escorpião?
Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?
Mahatma Gandhi dizia que a oração é a respiração da alma, por isso, para ele, valia mais um coração sem palavras do que palavras sem um coração. Com o que concordam os antigos cristãos, para os quais a oração era mergulhar no Silêncio do qual emerge a Palavra que dá sentido à existência. Na escola da espiritualidade dos monges do Monte Athos, na Grécia, a finalidade era aprender a se calar diante do mistério divino, cuja revelação mais sublime é o amor. Por isso mesmo, nós ocidentais, podemos dizer como Agostinho que um coração que ama jamais para de orar, mesmo que não balbucie nenhuma palavra. A oração está para além do discurso: é calar-se silencioso como as montanhas e respirar no ritmo do oceano de compaixão. Eis o sentido possível da raiz grega “euchestai”, de onde vem o termo “proseuchestai”, escrito no Evangelho que hoje lemos.
É claro que, na raiz latina, oração vem de algo relacionado à boca/fala (oral), assim como rezar tem a mesma raiz de recitar, como quem balbucia um poema de amor, uma litania de esperança, uma ladainha de paz. Mas é o Silêncio que fecunda tais palavras, é na experiência do deserto que reconhecemos nossa fragilidade precária e dela nasce a prece, é também dele que fascinadas e fascinados oferecemos nossa adoração (aliás é bom lembrar que a palavra adoração, em grego, também pode ser traduzida por beijo). Assim florescem as boas palavras, nascidas do amor que escuta o ritmo do divino palpitando dentro de nós. Sejam palavras de louvor, de adoração ou de intercessão. Essa escola de oração é também a escola da gentileza, como lembra Leloup.
A Oração do Pai-Nosso, mais sintética no Evangelho de Lucas (suprime até o pronome nosso, talvez por ser pressuposto), se insere no resumo orante do projeto do Reino de Deus. Era comum um mestre sintetizar numa oração o seu ensinamento. Essa prece-projeto nascia de uma práxis, fermentada no silêncio da meditação e recitada como poema e compromisso. Através dela, Jesus nos convida a descobrir nessa realidade infinita, que chamamos Deus, o Abba (Materno Pai), cujo Reino desejado se traduz na partilha do pão e do perdão (que oferecemos e recebemos). E por fim, há uma súplica para não abandonar o projeto, a grande tentação que as comunidades viviam quando esmagadas pela pobreza e tirania dos que as geravam.
No coração das comunidades de ontem e de hoje, essas palavras ainda ressoam na insistência, perseverança e resistência, daquelas e daqueles que, como o amigo importuno, insistem na busca, mas que encontram nessa figura amorosa a realidade que recolore o horizonte da caminhada. Parafraseando nosso amigo Luiz Ramos, que sempre possamos nos descobrir abertos para o Pai Nosso, no desejo de partilhar o Pão Nosso e vivenciar o Perdão Nosso…
Luciano José de Lima
(Prédica proferida na Capela da Serra aos 28 de julho de 2013)