O pão da vida
(Cf. João 6.1-14)
Fiquei muito surpreso quando descobri que não existe a palavra “multiplicação” na história da “multiplicação dos pães”. Eu não contava mais do que 18 ou 19 anos quando ouvi o saudoso Rev. Elias Abrão pregar sobre esta passagem bíblica e dizer que os verbos que apareciam ali eram “partir” e “distribuir”, e que “multiplicar” devia ser colocado na conta da fantasia do editor moderno responsável pela inserção dos intertítulos (que, obviamente, não constam dos originais).
Outra descoberta que fiz, essa, sim, já por minhas próprias investigações exegéticas, foi a de que o tal “rapaz”, mencionado na tradicional tradução do João Ferreira de Almeida, na verdade não era um rapaz, mas uma “pequenina criança” (no original grego: paidarion). Mais curioso ainda é o fato de que essa é uma palavra neutra, ou seja, pode indicar tanto uma criança do sexo masculino, como uma do feminino. Resumindo, quem ofereceu os cinco pães e os dois peixes pode ter sido um menininho ou uma menininha.
Também me chama a atenção o fato de que, aqui, os papéis dos adultos e das crianças se invertem. Normalmente, quem tende a ser egocentrado e a não gostar de repartir são as crianças. Podemos notar o trabalho danado que dá, para muitos pais, convencer os filhos a serem solidários e a repartirem suas coisas, seus brinquedos, sua comida, com os coleguinhas. Geralmente isso só se dá de maneira mais espontânea na medida em que vamos crescendo e amadurecendo. Mas, neste caso, os adultos é que se mostram egoístas, escondendo a comida que haviam trazido consigo; e quem age altruistamente é a criancinha.
A Bíblia é cheia dessas inversões inusitadas, mas parece que nunca nos acostumamos com elas. Volta-e-meia nos vemos surpreendidos.
Como alimentar a multidão faminta? Continua a ser uma das perguntas cruciais dos líderes políticos, das organizações não governamentais, das associações filantrópicas e de algumas igrejas…
A resposta do Evangelho pra essa difícil, intrincada, complexa e aparentemente insolúvel questão é a seguinte: Cinco pães, dois peixes e o coração gentil de uma criancinha solidária… não é preciso muito mais para saciar a multidão que tem fome de pão e sede de justiça.
E a pergunta que fica é: “Quem é essa criancinha, onde ela está agora, para que venha e sacie nossa fome?” E a resposta é uma só: “Eu sou essa criança! Você é essa criança! Nós somos essa criança!”
Portanto, repartamos nosso pão, rendamos graças a Deus, e distribuamos entre todos o Pão da Vida! E preparemo-nos para recolher os cestos com o que haverá de sobejar.
Luiz Carlos Ramos
(Pregado na Capela da Serra,
aos 29 de julho de 2012)
Muito BOM!!!! Muitas vezes só queremos ver Deus no extraordinário. Deus se faz no ordinário da vida.