Jeito atravessado de fazer teologia
DE FATO, os nossos dias não favorecem um diálogo muito otimista sobre religião. Defender a Bíblia é tarefa ingrata, porque ela mesma não se preocupa em defender-se. Ela é um álbum de retratos bem estranho. Nós, geralmente, procuramos incluir nos nossos álbuns somente as melhores fotografias contendo aquelas memórias e registros selecionados dentre os melhores momentos (os bons e velhos tempos). Mas a Bíblia é de uma honestidade constrangedora. Ela inclui o registro inclusive daqueles episódios mais sórdidos (os maus e velhos tempos).
Na minha opinião, do mesmo modo que a ciência aprende com os experimentos fracassados até encontrar a solução viável, esses registros servem pra aprendermos com os erros do passado e como advertência para que nunca mais tornemos a cometê-los (porque o que também se constata na Bíblia, pela leitura honesta e transparente, é a sua capacidade de proceder a autocrítica, e isso se chama ação profética).
Em outras palavras, a Bíblia pode ser um livro cruel, mas não só. Também é um livro libertador. Se há histórias de opressão e repressão, também há relatos de revoluções e libertações. Nós podemos escolher a porta de entrada que nos faz sentir mais em casa. Os opressores preferirão uma, os oprimidos, certamente, preferirão a outra.
As atrocidades de outros tempos registradas na Bíblia servem também para nos mostrar o quanto já caminhamos, o quanto já melhoramos. Sem esses registros, talvez ainda estivéssemos arrancando olho por olho e dente por dente por aí.
Há, portanto, duas maneiras de encararmos textos tidos como sagrados, tais como a Bíblia: ou os lemos em sua letra morta, ou então optamos pela mediação do espírito que os vivifica. No primeiro caso, o resultado é o surgimento e o reforço dos legalistas, fundamentalistas, inquisidores e terroristas. No segundo jeito de (re)ler, o que transcende do texto é sua força geradora de viva, dinâmica, que se atualiza e se encarna em cada nova geração.
Admito que, para muitos, “poesia” não pareça coisa séria. Consideram esse jeito de ler/viver uma “romantização” vulgar.
Vá lá, cada um tem a poesia e a prosa que merece.
De uma coisa eu desconfio com força: Toda religião nasce como poesia e morre como dogma. Dogma é letra morta. Poesia é vida pura. Mas quem lê poesia como quem lê bula de remédio fica doente.
Se bem me lembro, Jesus preferia as parábolas. Jeito atravessado de fazer teologia: converter a vida em poesia e devolver a poesia pra vida.
Reverendo Luiz Carlos Ramos†
(Para Danielle Mozena, querida aluna do curso de teologia,
que tanto nos inspirou com sua sensibilidade e doçura,
por intermédio de quem aprendemos a ter muito respeito e admiração pelo Budismo Tibetano,
religião que ela abraça com devoção e convicção ecumênicas)
Olá Luiz! Acabo de acessar pela primeira vez seu blog, depois de fazer uma pesquisa sobre Teoria da Poesia. Acabei lendo este seu texto, e fiz questão de comenta-lo por acha-lo muitíssimo bom. Me interessei muito pela abordagem proposta sobre as possibilidades de releitura da Bíblia e me admirei muito pelo raciocínio poesia-religião-dogma. Foi um prazer ler sua opinião, lerei mais coisas em seguida.
Seja muito bem vindo, César,
obrigado por seu comentário tão simpático.
Espero podermos continuar a trocar “figurinhas”, menos que sejam figuras de linguagem.
Abraço,
luiz