Doze cestos cheios
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Mateus 14.13-21 (LCR)
Quando Jesus soube que João havia sido decapitado, tomou um barco e retirou-se para um lugar deserto. Mas as multidões descobriram aonde ele estava indo e, vindo dos seus povoados, o seguiram por terra, contornando o lago.
Quando Jesus desembarcou e viu a grande multidão, sentiu compaixão por aquela gente, e curou os doentes que estavam lá.
Ao entardecer, os discípulos chegaram perto de Jesus e disseram: Este lugar é deserto e a hora já vai avançada. Despede essa gente, a fim de que possam ir aos povoados em tempo de comprar alguma coisa para comer.
Mas Jesus respondeu: Isso não será necessário. Eles não precisam ir embora agora. Deem a eles vocês mesmos o que comer.
Eles objetaram: Tudo o que temos aqui são cinco pães e dois peixes. Ao que Jesus respondeu: Pois tragam para mim esses pães e esses peixes!
Em seguida orientou o povo para que todos se sentassem sobre a grama. E, tomando os cinco pães e os dois peixes, olhou para o céu, deu graças a Deus e os abençoou. Então, partiu os pães, entregou-os aos discípulos, e estes os distribuíram ao povo. Todos comeram e ficaram satisfeitos, e ainda recolheram doze cestos cheios dos pedaços que sobraram.
E os que comeram foram mais ou menos cinco mil homens, sem contar as mulheres e as crianças.
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Já nos tempos de Jesus, os judeus não comiam comida não-kosher, isto é, comida não-correta, segundo os preceitos religiosos que rigorosamente observavam.
A carne, por exemplo, só podia provir de animais que ruminam, o que exclui o porco e o coelho. Das aves podia-se comer as não predatórias. Dos peixes, os que possuem escamas e barbatanas, ficando eliminados, portanto, polvos, mariscos, caranguejos, camarões, etc. Dos animais e as aves denominados impuros, tampouco se deve comer seus ovos ou beber seu leite.
Toda comida feita de sangue também era proibida. Então ao abater os animais era extraído o máximo de sangue possível. O restante era retirado com água e sal. Os animais deviam ser abatidos por um especialista, sob superintendência rabínica, de maneira rápida e indolor.
Há ainda hoje outras orientações minuciosas, como a que diz que quem come carne não pode comer uma sobremesa que leve leite. Até as panelas que preparam leite e derivados têm que ser diferentes das que preparam carne.
Isto posto, entende-se por que um judeu atento andava sempre com um cesto ou “alforje”, contendo provisão de alimentos autorizados, principalmente se o itinerário previa a passagem por povoados gentílicos. Assim procedendo, não correria o risco de passar fome ou de ser obrigado a comer alimento impuro (não-kosher).
Isso torna ainda mais curioso o fato de que, quando Jesus envia os setenta discípulos (símbolo de universalidade) em missão por todas as cidades circunvizinhas, recomenda que não levem bolsa (dinheiro), nem alforje (provisão de alimentos-kosher). E Jesus ainda acrescenta: “Permanecei na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem” (ver Lc 10).
Ou seja, Jesus propôs que seus seguidores rompessem uma barreira considerada inegociável, para muitos dos seus contemporâneos. De comer com as pessoas, sem qualquer tipo de preconceito ou reserva, respeitando cada caso, cada casa, cada mesa, cada povo, cada etnia, valorizando sua culinária, sua cultura, sua hospitalidade… disso depende o sucesso da missão.
Antes de converter as gentes, a Igreja deve se converter às gentes!
Não é de se estranhar, portanto, que houvesse no meio da multidão que seguiu Jesus para o outro lado do lago, lugar de gentios, alguém portanto seu alforje abastecido de alimento kosher. Provavelmente não eram poucos, pois afinal sobraram doze deles. Se só aquele lendário menininho portasse o seu, de onde teriam surgido tantos outros cestos?
A conclusão é praticamente inevitável. Todos nós temos os nossos cestos. Mas nem todos estamos dispostos a compartilhá-los. O maior milagre desta história, a maior de todas nos Evangelhos, é que quando nos dispomos a repartir o resultado não é falta, mas a fartura.
Carregar alimento no alforje: só se for para repartir, nunca para segregar.
Reverendo Luiz Carlos Ramos †
Por uma igreja de corações abertos, mentes abertas e braços abertos
Nono Domingo da Peregrinação após Pentecostes
Ano A, 2017 | Cor litúrgica: Verde
Ótima mensagem