Ao menos um voltou perdoado
Jesus também contou outra estória, desta vez, a propósito dos que se gabam de serem melhores que os outros, e por isso desprezam os demais.
«Dois homens subiram ao templo para participar da oração pública diária, um era fariseu e o outro, cobrador de impostos.
O fariseu, de pé e isolado, porque não queria se misturar com os demais, orava assim:
“Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como as outras pessoas, especialmente as desonestas, trapaceiras e adúlteras, tal como aquele cobrador de impostos ali! Ao contrário: Jejuo não uma, mas duas vezes por semana e dou a Deus um décimo, não só do que a lei prescreve, mas de tudo o que ganho!”
O cobrador de impostos, por sua vez, mantinha-se à distância e, enquanto orava, não ousava se aproximar do altar, nem sequer erguer os olhos para o céu; antes batia no peito, exclamando:
“Ó Deus, por tua misericórdia, recebe este sacrifício em meu lugar, pois sou pecador, e sou eu quem deveria ser imolado nesse altar”.
Pois eu digo a vocês que quem voltou para casa perdoado foi este pecador e não o fariseu!
Mais uma vez, aqui, se aplica muito bem aquele provérbio que diz: “Todo que se auto‑engrandece será humilhado, mas o que se humilha será honrado.”» (Lucas 18.9-14)
* * *
Já eram quase três da tarde, a chamada hora nona dos judeus. A multidão de fiéis vinha se aproximando e ocupando seus lugares no espaço do Templo destinado ao sacrifício diário em expiação pelos pecados de Israel.
Começa o cerimonial. Antes de tudo, o cordeiro sacrificial é morto e retalhado pelo sacerdote, em nome e diante de todo o povo. A liturgia transcorre ao clangor dos címbalos, do sonido das trombetas, das leituras dos Salmos, do cântico do coro dos levitas.
Pode-se ainda sentir o aroma pungente enquanto, dos degraus da entrada, os sacerdotes terminam de incensar o altar. Pode-se ver a densa coluna de fumaça que se ergue do holocausto.
Esta hora, quando o incenso é queimado, todos sabem que é o momento certo para erguer a voz em oração, tanto de súplicas como de ações de graças.
Nesse dia, em particular, chama a atenção o fato de dois dos adoradores colocarem-se um tanto afastados dos demais. Um, todo empertigado, em pé, isolado, bem à frente, quase tocando o altar; enquanto o outro está bem lá no fundo, o último, atrás da multidão, de cabeça baixa, batendo no peito.
O primeiro, não tinha nada a pedir, nem a agradecer, tão convencido dos seus méritos e da sua justiça. Afinal, não é mero servo inútil, pois faz muito mais do que a lei exige: jejua, não uma, mas duas vezes por semana, e dá o dízimo, não só dos itens prescritos, mas de tudo que ele ganha. E, para não correr o risco de se contaminar com o pecado dos outros, guarda distância de todos.
O segundo, sabe-se, é um cobrador de impostos. Em geral essa gente é desonesta e trapaceira. Mas parece que algo lhe aconteceu. Sim, parece ter sido tocado por um sentimento de remorso e estar profundamente arrependido. Ouçam o que ele diz: “Senhor, seja propício a mim (faça essa propiciação por mim), pois sou pecador.”
Ao final da cerimônia, todo o povo se curva até o chão para ouvir o Nome inefável e receber a bênção proferida pelo sacerdote que está com os braços estendidos.
Nesse dia, ao menos um dentre os fieis voltou pra casa certo de que Deus aceitara graciosamente a sua oferta imolada no altar.
Rev. Luiz Carlos Ramos†
Para o Vigésimo Terceiro Domingo da Peregrinação após Pentecostes | Ano C, 2016