A mulher encurvada
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Havia certa vez uma menina.
Como toda menina feliz do seu tempo, gostava de brincar na praça com as outras crianças. Brincava de pega-pega, de esconde-esconde, de pular corda, de chapinhar nas poças deixadas pela chuva e de contemplar o formato engraçado das nuvens no céu: carneirinhos, coelhos, velhos barbudos, elefantes…
Como toda criança, às vezes também fazia travessuras e, por isso, levava bronca dos adultos, algumas muito duras. Nessas ocasiões, abaixava os olhos.
Quando se tornou uma linda jovem, tinha os anseios, a curiosidade, as angústias, os ímpetos, próprios dos jovens. Por isso mesmo, muitas vezes era recriminada e repreendida com palavras ofensivas e gestos grosseiros. Nessas ocasiões, baixava a cabeça.
Mais tarde, descobriu o amor. Foi feliz. Teve filhos. Mas, aos poucos, a pessoa a quem amava se foi revelando um cruel agressor. Primeiro a ofendia com palavras duras, depois, passou a agredi-la com gestos violentos. Nessas ocasiões ela se curvava, humilhada, como que querendo refugiar-se no ventre materno.
Com o tempo, essas humilhações esporádicas se tornaram corriqueiras, e a, agora, mulher vivia encurvada, como se carregasse nas costas o peso do mundo. Por isso já não tinha alegria. Não tinha esperança. Vivia olhando para baixo. Já se esquecera de como era olhar as pessoas nos olhos. Achava até que as pessoas só tinham pés, pois era tudo o que via quando encontrava alguém pelo caminho.
Até que num certo dia, que amanhecera claro depois de uma noite chuvosa, de caminho para o mercado, passando pela mesma praça da sua infância, topou de repente com uma poça. Quase levou um susto. Pois ela viu lá no fundo da água, o céu azul, e as nuvens brancas e fofas que cruzavam de um lado para o outro…
Foi então que alguma coisa aconteceu dentro dela. Foi tomada por uma vontade imensa de olhar pro céu. Aos poucos foi se desencurvando, deixando cair o peso de sobre os ombros. Levantou a cabeça devagar. E finalmente tornou a erguer os olhos, como há muito não fazia.
O céu estava azul. As nuvens brincavam na imensidão. Pássaros coloridos coreografavam elipses e oitos divertidos. Ela começou a se sentir leve… Parecia que também podia voar… Seus olhos transbordaram… Transbordaram das cores do céu e das cores das aves… Cores que se multiplicavam no caleidoscópio das suas lágrimas…
Diz-se que, desde então, aquela mulher nunca mais foi a mesma. Voltou pra casa decidida e não baixar mais os olhos diante dos que tentavam intimidá-la. Decidiu também que nunca mais abaixaria a cabeça diante de quem a tentasse subjugar. E resolveu que nunca mais se curvaria diante de outro ser humano, e não permitiria que alguém se curvasse diante de quem quer que fosse. Tomou a firme resolução de que confrontaria sempre, com coragem e teimosia, quem quer que tente fazer curvar e humilhar alguém.
Dizem também que se passarmos por aquela praça, ainda hoje, veremos uma velhinha muito simpática brincando com as crianças e apontando no céu azul as nuvens engraçadas.
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p style=”text-align: right;”>Luiz Carlos Ramos
(Agosto de 2013; Inspirado em Lucas 13.10-17)
Obrigada por esse texto.Parece que foi escrito ´ha tempo. Mas só hoje achei aqui, e ele é sempre atual. Só admito mulher encurvada por problemas físicos.Abraços Vilma
Professor, que texto maravilhoso, me inspira a continuar me dedicando a vida. Thiago Gaspar.
Oi Luiz, hoje usei este texto durante a aula do CTP. Foi muito bom!! Suas palavras são sempre sábias. Muito obrigada pela partilha!
Bjs
Querido Luiz,
Obrigada sempre por trazer alento a minha caminhada…
Abraços
Pàtty
Professor Luiz Carlos, como sempre os seus textos são deliciosos de lêr. Um abraço Eliel