Herodes são os que matam os menores da terra
«Depois que os magos foram embora, um anjo do Senhor apareceu em sonho a José e disse:
— Levante-se, tome o menino e a sua mãe e fuja para o Egito. Fique por lá até que eu avise você; porque Herodes há de procurar o menino para matá-lo.
Levantando-se José, tomou de noite o menino e a sua mãe e partiu para o Egito, onde ficou até a morte de Herodes. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelo Senhor, por meio do profeta: “Do Egito chamei o meu Filho.”
Vendo-se iludido pelos magos, Herodes ficou muito furioso e mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme as informações que havia recebido dos magos a respeito do tempo em que a estrela havia aparecido. Então se cumpriu o que foi dito por meio do profeta Jeremias:
“Ouviu-se um clamor em Ramá,
pranto e grande lamento;
era Raquel chorando por seus filhos
e inconsolável porque eles
já não existem.”»Mateus 2.13-18 (NA17
O texto do Evangelho nos conta a respeito de um período dramático na vida da família sagrada, que ficou conhecido com nomes não menos dramáticos, tais como: “A fuga para o Egito”, e “O massacre dos inocentes”.
José sonha 4 vezes. Poderíamos dizer que José é um sonhador. Mas não foram sonhos do tipo que os pregadores de autoajuda gostam. Não eram sonhos de ver, mas sonhos de ouvir. Em lugar de projetar imagens oníricas, o sonho fez soar palavras angustiantes. A Palavra de Deus nem sempre é caixinha de promessas, às vezes é desconcertantemente preocupante. Desconfio que José, quando acordou, tenha exclamado assustado: “Tive um pesadelo horrível!”
Para quem esperava um Messias poderoso é uma grande decepção saber que o primeiro ato da família sagrada é um ato de covardia. Fugiram para o Egito porque ficaram com medo de Herodes. Com o agravante de que esse ato de covardia é respaldado e orientado pelos anjos, mensageiros de Deus.
Ora, quem faz as estrelas brilhar, a virgem dar à luz, e envia anjos para cantar e revelar a glória divina, não teria uma solução para os Herodes da vida?
Herodes são todos os que matam os menores da nossa terra: são os que matam as crianças pretas e pobres, os que matam as crianças indígenas, os que arrancam as crianças dos braços das mães refugiadas, Herodes são os que matam o que resta de esperança em todos nós.
Com a fuga da família sagrada, Herodes pensa ter vencido. Mas… até os Herodes morrem. E quando os Herodes morrem, Jesus retorna para continuar sua obra de redenção.
Há momentos em que não há outra coisa a fazer a não ser o que José fez: “sonhar, estreitar junto de si a família, e pôr-se a caminho”. Aprendi, lendo um artigo publicado no Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, que os 3 verbos decisivos para cada família e cada indivíduo são: sonhar, cuidar e caminhar.
Sonhar, porque o cristão não se conforma com o mundo tal como está, ele foi dotado de imaginação e criatividade para poder sonhar um outro mundo possível.
Cuidar corajosamente, mesmo que para isso seja preciso fugir, parecer covarde, porque é preciso “cuidar das vidas com a própria vida” (Elias Canetti).
E caminhar, mesmo que essa pareça ser a direção errada. Deus libertou o povo da escravidão do Egito para conduzi-lo à Terra Prometida, mas agora conduz a família sagrada da Terra Prometida de volta para o Egito… De fato, “os caminhos de Deus são mais altos que os nossos caminhos, os pensamentos de Deus, mais altos que os nossos pensamentos” (Is 55.9).
Como José e Maria, estreitando junto ao coração o menino Jesus, sim, aquela mesma frágil criança do Natal, sigamos caminhando por onde Deus nos conduzir, ainda que para o nosso senso de direção, esse pareça ser a direção errada. Fujamos dos Herodes sanguinários, os senhores da morte, até que o tempo oportuno se nos apresente e possamos retornar mansamente para possuirmos definitivamente a Terra Prometida deixando-a plena de vida, e vida em abundância.
Reverendo Luiz Carlos Ramos
Primeiro Domingo de Advento, Ano A
Último sermão pregado na IM-Pirassununga
2019
Gratidão pela homilia, tive o privilégio de vê-lo pregar na sua despedida em Pirassununga, você também é sonhador, sonha o sonho de Jesus: para que todos tenham vida em abundância. Feliz 2020.
Texto precioso , pedagógico e cheio de esperança à quem sonha, cuida e caminha em estradas indicadas por Deus!