Ora, coloque-se no seu lugar!
Certo sábado Jesus foi convidado para comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E, claro, com a fama que tinha de ser um perturbador do sábado, todos observavam Jesus pra ver se ele aprontaria mais uma das suas. […]
Mal se deram conta de que eles é que eram observados atentamente pelo próprio Jesus. E, ao reparar como alguns convidados presunçosamente disputavam os lugares mais destacados, Jesus resolveu dar-lhes esta aula sobre a etiqueta da mesa:
«Quando você for convidado para uma festa de casamento, nunca cometa a grosseria de se sentar nos lugares reservados para as pessoas mais importantes, porque pode acontecer de chegar algum convidado mais honorável que você. Então aquele que convidou os dois terá que lhe dizer: “Com licença, este lugar está reservado para outra pessoa, queira por gentileza dar o lugar a ele.” Se isso acontecer, você terá que sair e, envergonhado, irá procurar assento entre os últimos lugares. Por isso, quando convidado, sente-se no lugar menos destacado e assim quando vier o que o convidou dirá: “Amigo, o que faz aí, tão longe, venha comigo, tome assento neste lugar de honra que reservei para você.” Aí, sim, você se sentirá muito honrado diante de todos os que estiverem também à mesa. Pois todo aquele que “se acha” será rebaixado, mas o que se humilha será promovido.»
Depois Jesus, dirigindo-se àquele que o tinha convidado, disse: « Meu caro anfitrião, na próxima vez que você oferecer um almoço ou um jantar, não convide somente os seus amigos, ou irmãos, ou parentes, nem os seus vizinhos ricos. Porque vão querer retribuir a gentileza, convidando você para festejar também com eles. Faça diferente, quando der uma festa, convide os pobres, principalmente os que são paraplégicos, os que usam muletas e os cegos. Assim, sim, você será feliz, porque geralmente esses não têm como retribuir, e você terá o privilégio de ser recompensado pelo próprio Deus no dia da ressurreição dos justos.» (Lucas 14.1, 7-14 LCR)
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A cultura mediterrânea era, e ainda é, baseada em um rígido código de honra-e-vergonha. Honra e vergonha são conceitos abstratos, subjetivos e relativos. Nem sempre se aplicam da mesma forma em diferentes povos. Nem sempre o que é honorável no Japão, o é no Oriente Médio, ou na África, ou nas Américas, e vice-e-versa.
Para os contemporâneos de Jesus, por exemplo, vergonha era dar à luz a uma menina, uma mulher ficar solteira ou ser estéril… Vergonha era nascer com deficiência física ou intelectual. Vergonha era ser escravo. Ter de mendigar. Vergonha também eram consideradas a juventude e a viuvez. Vergonha era ser pobre. Vergonha era ser insultado ou rebaixado publicamente…
Na cultura mediterrânea a honra é algo pelo que se disputa agressivamente, e se defende com unhas e dentes. Para evitar a vergonha, se mata ou se morre.
Por essa razão, aquilo que pareceria, numa leitura superficial do texto de Lucas 14.7-13, ser uma bonita aula de etiqueta e bom comportamento, se revela algo muito mais sério. Etiqueta era o que ensinavam os rabinos: “Quando chegares à festa para a qual te convidaram, não te sentes logo no lugar que te compete, mas uns três assentos abaixo (em relação à cabeceira da mesa), e espere que te chamem para então ocupares o outro mais acima…” Esse conselho, sim, não passa de etiqueta perfunctória, porque não nasce da humildade, mas do puro orgulho, da busca ainda mais dolosa por honra e prestígio.
Jesus promove a reconciliação com a vergonha e demonstra que a honra nem sempre está onde supomos. Vergonha, para Jesus, é ser preconceituoso, presunçoso, ofensivo. Vergonha é desprezar, julgar, ultrajar. Vergonha é ser egoísta e agir por interesses mesquinhos, na base da bajulação, da troca de favores, da caça de recompensas. Vergonha é alguém se julgar superior…
Quebrando as regras, Jesus recomenda, pois, que nos sentemos não “uns três ou quatro assentos abaixo”, mas que ocupemos logo o “último lugar”. Esse, o último, é o lugar reservado para quem quer seguir a Cristo.
Então, por gentileza, coloque-se no seu lugar!
Rev. Luiz Carlos Ramos†
Para o Décimo Quinto Domingo da Peregrinação após Pentecostes,
Ano C, 2016
Que maravilha de reflexão. Grato meu amado irmão e amigo.
Fraterno abraço com saudades